Saturday, December 24, 2016

Marine, os gêmeos e o Papai Noel

 
Geralmente séries, filmes, programas de televisão têm seus especiais de Natal. Então, por que não dar uma chance aos livros? Pensando nisso, J. B. Hahn escreveu uma breve aventura natalina para Marine. Vamos ler?
 
...
 
Dezembro havia chegado. Mais especificamente, a véspera de natal. Em Passo Fundo o clima natalino se espalhara rapidamente desde o início daquele mês. Estava presente em cada vitrine, em cada rua, em cada árvore e nas fachadas das casas... As ruas, é claro, estavam abarrotadas de pessoas que se preocupavam em fazer suas compras de Natal. Afinal, essa é a época mais maravilhosa do ano, desde que se ganhe presentes...
Marine, por outro lado, não conseguia se deixar envolver por esse espírito natalino. Havia deixado de aproveitar a data desde os onze anos de idade. Se alguém perguntasse a ela por que não gostava do Natal, não teria uma resposta. O fato é que se sentia até um pouco deprimida durante as festividades de fim de ano.
Em dias da Terra, cinco anos haviam se passado desde que Marine visitara Havenoon pela primeira vez. Algumas coisas estavam diferentes em sua vida. A começar pelo fato de que estava atuando como babá dos gêmeos de Amanda, sua melhor amiga. Havia compreendido que mudanças nem sempre eram ruins, pois ela mesma havia mudado... Bem, como escrevi antes, era véspera de Natal e Marine havia levado os gêmeos ao shopping para ver o Papai Noel. Ela sabia bem que nada mais era do que um cara fantasiado, mas entendia melhor do que ninguém o quanto era bom manter a fantasia viva, especialmente nas crianças. O que importava era que elas não suspeitavam que o Bom Velhinho do shopping era um homem qualquer.
Havia uma fila considerável de crianças que queriam tirar uma foto sentadas no colo do Papai Noel. Marine estava ficando impaciente. Afinal, paciência nunca fora mesmo o seu ponto forte. É claro que ela ia aguentar firme aquela situação pelas crianças. Seria muito ruim se o Natal delas fosse traumatizado de alguma maneira. Marine sabia muito bem como traumas em datas festivas podiam ser intensos e duradouros.
Faltava ainda cinco crianças para chegar a vez dos gêmeos Lídia e Lucas quando a barba do Papai Noel foi arrancada por um pré-adolescente que saiu correndo rumo à saída do shopping. O homem ficou imóvel sem saber o que fazer. As crianças começaram a reclamar e a chorar, pois aquele não era o Bom Velhinho de verdade. Os gêmeos também reclamavam. Na verdade, Marine pôde perceber que algo morrera dentro deles. Talvez fosse a fé naquela fantasia toda. Contudo, ela ainda tentou amenizar a situação dizendo que o Papai Noel havia mandado um de seus ajudantes para o shopping em seu lugar para que pudesse ficar em sua oficina preparando os brinquedos para presentar às crianças bem comportadas na noite daquele dia. Todavia, quando Lídia jogou seu chapéu de Natal no chão, Marine soube que o dano havia sido intenso. A magia do Natal havia se perdido para aqueles dois irmãos.
A jovem Bastian de cinco anos atrás não se importaria com o que um par de crianças pudesse pensar sobre qualquer coisa. Mas a atual Marine se importava. Ela revelava uma preocupação legítima em manter a mágica viva na vida daquelas crianças tão jovens para perder a fé no inacreditável. Porém, apesar de sua boa vontade, nada havia a ser feito. Então, após um sorvete, ela devolveu os dois para a mãe e foi para a sua casa.
Ao anoitecer, enquanto dona Maria, a mãe, preparava a seia de Natal, Marine ainda pensava nas crianças com os sonhos despedaçados. A pedra do coração estava num colar em seu pescoço. Desejou que pudesse devolver a fé para elas de alguma maneira. Foi aí que um ruído alto no telhado de sua casa penetrou seus ouvidos.
- Mãe, escutou esse barulho? - Perguntou ela curiosa.
- Qual?
- Algo no telhado, não ouviu não?
Dona Maria, sem dispensar muita atenção à garota, negou. Todavia, Marine estava certa de que algo havia batido no telhado da casa e decidiu sair para averiguar.
Do lado de fora, ao olhar para cima, uma grande surpresa: um trenó e uma fila de renas. Mas o que é isso? Pensou. Foi aí que uma escada retrátil foi aberta em sua direção. Óbvio que ela subiu. A curiosidade sempre lhe falara alto. Ela apenas subiu os desgraus sem se preocupar se os vizinhos poderiam ver e estranhar a garota no telhado da casa sem mais nem menos. Quando ela alcançou o trenó vermelho e brilhante, reparou que havia um compartimento interno no chão dele. A porta estava aberta num convite. Entrou. Para a sua surpresa o interior daquele trenó era bem grande. Ela logo lembrou de uma frase icônica: "It's bigger on the inside". E era mesmo. Parada no último degrau da escada, Marine via um escritório bem aconchegante no estilo dos anos 50. Inclusive havia janelas, papel de parede e tudo o mais. Alguns mapas cobriam parte das paredes. O fogo crepitava em uma lareira cheia de enfeiteis natalinos. Portas fechadas podia ser vistas. Numa delas havia uma plaqueta informando "cozinha". Noutra: "fábrica de brinquedos"... Ruídos de máquinas trabalhando enchiam o ambiente, bem como o delicioso aroma de chocolate quente.
Ao contrário do que se podia esperar num clima quente como o de Passo Fundo naquela época do ano, Marine não sentiu calor, nem frio. Sentiu-se aconchegada, porém com muitas dúvidas. Havia uma escrivaninha defronte a uma das janelas, certamente virtuais, e na cadeira estava sentado um velho gordo e grisalho vestindo branco. Ele olhou para a garota, sorriu e levantou-se dizendo:
- Ho ho ho! Feliz Natal Marine.
A jovem Bastian balançou a cabeça como se com aquele gesto pudesse tirar aquela situação toda da cabeça.
- Eu tô sonhando por acaso? Isso é uma pegadinha? - Perguntou ela.
- Não. Isso não é nenhum tipo de sonho.
- E você é... ele? O Noel?
- Ha ha ha, eu tenho muitos nomes, mas você pode me chamar assim se preferir.
- Putz! - Marine começou a andar nervosamente pelo local, tentando digerir aquela informação. - Como?
- Ora, você me chamou aqui.
- Não. Não... Tenho certeza de que não chamei ninguém, especialmente você. Nem acreditava que fosse real.
O homem sequer alterou sua expressão bondosa e sorridente com aquele comentário. Apenas acrescentou:
- Não espero que os adultos creiam em mim. Só preciso da fé das crianças, que são inocentes. É por causa delas que estou vivo e tenho certos poderes. Se muitas acreditam em mim e na magia do Natal, sinto-me forte. Porém, quando deixam de crer, param de enviar energia para mim e eu enfraqueço.
- Tá... Isso é maluquice, mas supondo que eu acredite nessa história, por que afinal o senhor falou que eu o chamei?
- Ora Marine, você desejou devolver a fé para duas crianças, não foi?
- Sim, mas... - Ela sabia que a pedra do coração não possuía poderes ali. - Como?
- Ho ho ho, deixemos as formalidades de lado minha jovem, é véspera de Natal e precisamos iluminar o Natal de dois pequeninos e depois do mundo todo.
- Espera aí... o senhor tá no telhado da minha casa!
- Só você consegue me ver querida. Apenas porque eu permito. Do contrário, somente aqueles que creem em mim são capazes de me ver e é claro as minhas parafernálias natalinas.
- Se o senhor diz, deve ser verdade. Mas e a roupa vermelha, cadê?
- Quem foi que disse que eu só uso roupas vermelhas?
- Todo mundo... Mas beleza. Roupas não importam...
O velho sorriu e começou a subir para o exterior do trenó.
- Vamos à casa dos pequeninos. - Disse ele sorridente. - Temos fé para reavivar.
- Espera aí. As pessoas não veem o senhor, mas e eu?
- Não se preocupe com isso. Você não vai aparecer por aí voando no ar se esse é o seu medo.
Marine respirou forte.
- Ok então. - E sentou-se no acento ao lado daquele em que o velho estava. Ele tomou rédeas em suas mãos e na sequência pronunciou o nome de cada uma das renas: - Vão... Cometa, Estrela, Leopold, Esmeralda, Solar, Temente, Ignea, Alcaçus e Lazule*. - Elas começaram a se movimentar e logo puxaram o trenó pelo ar, deixando um rastro de poeira brilhante. A jovem Bastian sentiu um frio na barriga enquanto o veículo mágico fazia manobras aéreas. Sentir o vento em seus cabelos a fez voltar aos momentos em que se balançava nos balanços da pracinha em frente à casa de sua avó.
- É bom não é? - Perguntou Papai Noel, observando a alegria dela.
- Muito bom! Há muito tempo não me sentia leve desse jeito. - Marine estava sorrindo como uma criança.
Em menos de dois minutos o trenó foi estacionado sobre o telhado da casa de Amanda.
- O que fazemos agora? - Quis saber a jovem Bastian.
- Simples. A melhor maneira de mostrar alguém que magia é real é fazendo mágica. Vá buscar os gêmeos.
- Ei... e o que vou dizer aos pais deles? Eles não vão deixar as crianças saírem a essa hora. É noite!
- Sei que vai pensar em algo. Agora vá Marine. O tempo está passando e a noite de Natal logo vai começar.
A jovem Bastian assentiu. Saiu do trenó e chamou pela amiga à porta da casa. Disse-lhe que gostaria de levar os gêmeos para ver as luzes natalinas e o coral na Catedral da cidade. Embora ela não tivesse certeza de que Amanda engoliria aquela história, houve até uma certa gratidão por parte dela, aparentemente ela queria se "livrar" dos pequenos por alguns momentos devido à quantidade de tarefas pendentes para o jantar daquela noite. Então, Marine pegou os gêmeos pelas mãos e se afastou da casa alguns passos. Esperou Amanda recolher-se ao interior da residência e dirigiu-se aos pequeninos:
- Vocês querem conhecer o Papai Noel de verdade?
- Não queremos ver nenhum cara de barba branca. - Replicou Lucas com um tom bem nervoso para seus cinco anos de idade.
- Aquele que estava no shopping não era o verdadeiro Papai Noel, mas ele existe e está bem em cima do telhado da casa de vocês.
- Não tem nada ali. - Falou Lídia com os olhos fixos na parte de cima da casa.
Neste momento, a escada do trenó apareceu para Marine e ela pediu às duas crianças para que fechassem seus olhos e só abrissem quando ela dissesse. Todos foram ao interior do trenó e Papai Noel, agora tradicionalmente vestido com suas roupas vermelhas e brancas, começou:
- Ho ho ho, bem-vindos pequeninos.
- Abram os olhos crianças. - Falou Marine e ficou observando os rostos deles para ver a reação.
Lídia foi a primeira a abrir os olhos. Viu a figura já tão conhecida diante de si. Lucas não perdeu tempo e disse:
- Você não usa máscara como o homem no shopping.
- Ha ha ha, eu não preciso de nenhuma máscara que imite minha cara.
Nesse momento, a porta da cozinha foi aberta e um duende bastante simpático, de pele esverdeada e um macacão listrado, veio até eles trazendo três canecas de chocolate quente.
- Bebam. Faz bem. - Disse ele.
Marine nunca havia bebido um chocolate quente como aquele. Aparentemente os gêmeos também não, pois se deliciavam indiscretamente, lambuzando até seus narizes.
O velho Noel ajoelhou-se para ficar na altura das crianças e falou:
- Tudo em que vocês acreditam é real. Não importa se pessoas comuns tentam imitar. Então procurem se lembrar de que sua fé nunca deve ser quebrada. Ela é o seu poder mágico. - Os gêmeos tinham os olhos brilhantes. O bom velhinho levantou-se. - Agora... quem quer ajudar o Papai Noel a entregar alguns presentes?
A decepção de horas antes desapareceu totalmente. As crianças estavam radiantes quando tomaram acentos no trenó. Maravilharam-se ao ver as renas. Marine sentia-se bem, feliz por ver que o trauma dos dois irmãos havia sido superado. A fé deles no Natal estava viva novamente.
Papai Noel chamou suas renas e o trenó ganhou altitude e velocidade. Os gêmeos gritavam extasiados enquanto dois duendes engraçados com roupas listradas de verde e vermelho arremessavam os presentes que estavam acomodados num saco que parecia ter a mesma tecnologia do trenó: pequeno por fora, muito grande por dentro.
Marine e as crianças foram totalmente envolvidas pela magia natalina enquanto viajavam no trenó do Papai Noel pelo céu da cidade de Passo Fundo. A jovem Bastian entendeu que a fé era o que fazia a magia acontecer e que com ela qualquer coisa seria possível. Reaprendeu a acreditar no espírito do Natal, assim como os gêmeos que haviam se frustrado com o falso Papai Noel.
- Ho ho ho, feliz Natal! - Noel entoava enquanto trafegava pela noite estrelada. Quantas pessoas seriam capazes de ouvi-lo? Marine não saberia dizer, mas pelo menos ela e aquelas crianças nunca mais deixariam a magia do natal morrer.
 
Fim


* Os nomes das renas do Papai Noel são fictícios.



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